sábado, 12 de setembro de 2009

Alienação mental nos tempos de Kardec

Allan Kardec estuda o tema do idiotismo e da loucura na parte segunda de “O Livro dos Espíritos”, que trata da Vida Espiritual, no capítulo VII – Retorno à Vida Corporal. Ele engloba sob o mesmo subtítulo os temas idiotismo e loucura, mas as perguntas são específicas: da questão 371 à questão 374 aborda o tema idiotismo (incluindo em algumas o cretinismo) e das questões 375 à 378, o tema tratado é a loucura, mostrando que, para o Codificador, esses dois verbetes simbolizavam estados diferentes, apesar de próximos. O mesmo pensamento pode ser comprovado na análise que o Codificador faz do relatório quinquenal dirigido ao Imperador pelo Ministro da Agricultura, dos Comércios e dos Trabalhos Públicos, sobre o estado de alienação mental na França, no qual apresenta-se a divisão da alienação mental em: loucos, idiotas e cretinos e que é registrado na Revista Espírita de Julho de 1866.

E qual era o conhecimento sobre o tema na época de Kardec?

Inicialmente, cabe um breve histórico a respeito dos paradigmas existentes. Há três modelos, segundo Karina Cherubini, utilizados para a explicação e orientação da terapêutica dos problemas mentais. São eles o modelo mítico-religioso, o modelo organicista e o modelo psicológico.

O modelo mítico-religioso agrupava “os autores que sustentam a influência sobrenatural como causa da loucura (...). Apontam em dois momentos diversos, inicialmente, na Grécia e Roma Antigas. Depois, reaparecem durante a Idade Média, sob as feições do demonismo. Não há, nessa época, uma escola ou corrente doutrinária no significado atual, mas a semelhança das idéias permite a sua apresentação unificada.”

O modelo organicista sustenta que a causa da loucura como sendo orgânica, física e busca um local físico responsável pela loucura, variando entre o útero, corrente sanguínea, coração e encéfalo. Começou na Idade Antiga, com Hipócrates, o Pai de Medicina e teve muitos adeptos, principalmente a partir do Positivismo, persistindo “até a atualidade, justificando o emprego de terapêuticas psiquiátricas biológicas, como eletroconvulsoterapia” .

O modelo psicológico também com início na Antiguidade Clássica, com os autores de tragédia grega, é “retomado por Philippe Pinel, que passa a considerar as paixões na etiologia da loucura”. Na atualidade, “prossegue com as teorias que sustentam terapias cognitivas ou psiquiatria analítica, sem medicamentos, aplicando os ensinamentos ou outras formas de terapias derivadas da Psicanálise”.

O século XIX foi considerado o século dos manicômios. Diz Isaias Pessotti, Doutor em Psicologia, no livro “O Século dos Manicômios”, que “quem tenta explicar ou apenas descrever o pensamento médico do século XVIII (que servia de base para o conhecimento a ser desenvolvido no século seguinte), em qualquer área da medicina, depara-se com uma tal confusão de 'escolas' e tendências que qualquer tentativa de ordená-lo seria artificial, arbitrária. No caso da medicina 'do espírito', encarregada de cuidar da insania ou da alienatio mentis, a confusão é ainda maior, por várias razões.” No século anterior caíram por terra as explicações teológicas da loucura e ela passou ao terreno da investigação médica. Todavia, a medicina não dispunha de critérios nosográficos (descrição metódica das doenças) para definir o que era loucura, alienação ou seus equivalentes.

“Entre uma e outra 'escola' médica, o dado básico para definir a loucura variava muito. Mas, mesmo que se adotasse um critério comum de definição, por exemplo, a ocorrência de 'delírio sem febre', as doutrinas podiam convergir quanto à natureza da loucura, embora permanecessem divergentes quanto à etiologia da alienação, ou ainda, quanto à explicação do pensamento delirante”, conclui Isaias Pessotti.



Desta forma, verificamos que na época de Kardec, as definições sobre loucura, alienação mental e idiotia não eram claras. Fortalece esse entendimento a existência de pelo menos sete classificações divulgadas entre 1809 a 1843, apresentadas por Isaias Pessotti no livro “Os nomes da loucura”, às quais o Codificador pode ter tido acesso para realizar seu estudo em “O Livro dos Espíritos” (publicado em 1857). Assim, dentre 37 classificações individuais, fora as internacionais, destacamos as seguintes:

Pinel (1809)

Formas de alienação mental
1. Mania (delírio geral, com ou sem furor) e mania raciocinante (aparentemente sem delírio)
2. Melancolia (delírio parcial)
3. Demência
4. Idiotia

Esquirol (1816 e 1818)

Gêneros de loucura
1. Lipemania (delírio parcial com tristeza e depressão)
2. Monomania (delírio parcial com alegria)
3. Mania (delírio geral com excitação)
4. Demência (enfraquecimento dos órgãos do pensamento)
5. Idiotia

Johnson (1843)

Distúrbios Mentais
Ordem I - Congênitos (amência, idiotismo, imbecilidade, cretinismo)
Ordem II - Inflamatórios (frenite, hipofrenite, insânia moral - patomania, insânia intelectual (mania, hipomania, demência)
Ordem III - Não inflamatórios (delírio, hipocondríase)

Há ainda dois pontos importantes a destacar. Um deles refere-se à pesquisa do Codificador em relação à alma dos idiotas, que pode ser consultada na obra “O Céu e o Inferno”, Segunda Parte, Capítulo VII, Expiações Terrestres, no caso de Charles de Saint-G..., idiota.

O segundo ponto a destacar é que atribuía-se ao Espiritismo causar loucura. Este tema também mereceu a atenção do Codificador em “O Livro dos Médiuns”, Capítulo XVIII, Dos Inconvenientes e Perigos da Mediunidade, item 221, do qual transcrevemos pequeno trecho: Poderia a mediunidade produzir a loucura? “Não mais do que qualquer outra coisa, desde que não haja predisposição para isso, em virtude de fraqueza cerebral. A mediunidade não produzirá a loucura, quando esta já não exista em gérmen; porém, existindo este, o bom-senso está a dizer que se deve usar de cautelas, sob todos os pontos de vista, porquanto qualquer abalo pode ser prejudicial.”

Veja também o texto sobre Loucura sem lesão cerebral, neste blog.

Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências bibliográficas:

CHERUBINI, Karina Gomes. “Modelos históricos de compreensão da loucura. Da Antigüidade Clássica a Philippe Pinel.” Disponível em: Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8777.

PESSOTTI, I. “O século dos manicômios”. São Paulo: Editora 34, 1996. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=8uPsYKPVfi4C&pg=PA93&dq=idiotia+e+loucura&lr=#v=onepage&q=idiotia%20e%20loucura&f=false. Acesso em 31.08.2009.

PESSOTTI, I. “Os nomes da loucura”. 34. ed. São Paulo: Editora 34, 1999. v. 1. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=aGIzojXIbpkC&pg=PP4&lpg=PP4&dq=os+nomes+da+loucura+isaias+pessotti&source=bl&ots=sjVI49gjVH&sig=7PX1QyZk2SFdRNtnGisO6SMfics&hl=pt-BR&ei=Bj-lSpKIFZSJ8QaSytzSDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=6#v=onepage&q=&f=false Acesso em 31.08.2009.

KARDEC, Allan. “Revista Espírita de Julho de 1866”. São Paulo, SP: IDE, 1993. “Estatísticas da Loucura”.

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