segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Mediunidade na Bíblia

Diversas passagens bíblicas, dependendo de sua tradução e interpretação, trazem conclusões completamente díspares sobre as palavras dos profetas e evangelistas (e não de Deus, pois a Bíblia é um conjunto de livros escrito pelos homens, alguns dos quais Espíritos de grande elevação, mas ainda imperfeitos; vide "A Reencarnação na Bíblia" e "Nascer de Água", neste Blog). Analisemos alguns poucos trechos frequentemente citados como contrários à prática da mediunidade, ou seja, a interação entre planos mais e menos densos da existência humana.


- Deuteronômio 18:9-14

Os grifos de tradução apresentada são nossos.

Tradução da 35ª edição da Bíblia realizada pelo Centro Bíblico Católico Editora Ave Maria:
“Quando tiveres entrado na terra que o Senhor, teu Deus, te dá, não te porás a imitar as práticas abomináveis da gente daquela terra. Não se ache no meio de ti quem faça passar pelo fogo seu filho ou sua filha, nem quem se dê à adivinhação, à astrologia, aos agouros, ao feiticismo, à magia, ao espiritismo, à adivinhação ou a evocação dos mortos.”

“Tradução do Novo Mundo”, dos Testemunhos de Jeová:
“Quando tiveres entrado na terra que Jeová, teu Deus, te dá, não deves aprender a fazer as coisas detestáveis dessas nações. Não se deve achar em ti alguém que faça seu filho ou sua filha passar pelo fogo, alguém que empregue adivinhação, algum praticante de magia ou quem procure presságios, ou um feiticeiro, ou alguém que prenda outros com encantamento, ou alguém que vá consultar um médium Espírita, ou um prognosticador profissional de eventos, ou alguém que consulte os mortos.”

Tradução direta do hebraico[1]:
“Quando entrares na terra que Iahvéh, teu Deus, te dá, não aprendas a fazer as abominações daquelas nações. Não se achará em ti quem faça passar seu filho ou sua filha pelo fogo, nem adivinhador, nem feiticeiros, nem agoureiro, nem cartomante, nem bruxo, nem mago e semelhante, nem quem consulte o necromante e o adivinho, nem quem exija a presença dos mortos.”


- Levítico, 19:31

Os grifos de tradução apresentada são nossos.

Tradução da 35ª edição da Bíblia realizada pelo Centro Bíblico Católico Editora Ave Maria:
Não vos dirijais aos espíritas nem aos adivinhos: não os consulteis, para que não sejais contaminados por eles.”

Tradução direta do hebraico[1]:
Não ireis aos necromantes e nem aos adivinhos. Não procurareis vos contaminar por eles. Eu sou Iahvéh vosso Deus”.


O termo Espiritismo seria criado por Allan Kardec cerca de quatro mil anos após estas orientações, as quais foram apresentadas para uso por um povo cujo idioma, o hebraico, nem possuía e nem hoje possui o termo Espiritismo. Há traduções que modificam o ensino apresentado, que foi o de evitar consultarem-se os Espíritos para assuntos materiais e frívolos, orientação essa corroborada pelo Espiritismo.

Como evidência disso, Allan Kardec elucida, em "O Evangelho Segundo o Espiritismo"[2], condenando qualquer proveito material que se possa obter da interação entre os dois planos da existência:

"Quem conhece as condições em que os bons Espíritos se comunicam, a repulsão que sentem por tudo o que é de interesse egoístico, e sabe quão pouca coisa se faz mister para que eles se afastem, jamais poderá admitir que os Espíritos superiores estejam à disposição do primeiro que apareça e os convoque a tanto por sessão. O simples bom-senso repele semelhante ideia. (...) Quem, pois, deseje comunicações sérias deve, antes de tudo, pedi-las seriamente e, em seguida, inteirar-se da natureza das simpatias do médium com os seres do mundo espiritual. Ora, a primeira condição para se granjear a benevolência dos bons Espíritos é a humildade, o devotamento, a abnegação, o mais absoluto desinteresse moral e material.
(...)
Daí vem não haver no mundo um único médium capaz de garantir a obtenção de qualquer fenômeno espírita em dado instante. (...) Há mais: não é de si próprio que o explorador dispõe; é do concurso dos Espíritos, das almas dos mortos, que ele põe a preço de moeda. Essa ideia causa instintiva repugnância. Foi esse tráfico, degenerado em abuso, explorado pelo charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela superstição que motivou a proibição de Moisés. O moderno Espiritismo, compreendendo o lado sério da questão, pelo descrédito a que lançou essa exploração, elevou a mediunidade à categoria de missão."

Ainda na obra "O Evangelho Segundo o Espiritismo"[3], o Codificador orienta: "Os fenômenos espíritas, longe de abonarem os falsos Cristos e os falsos profetas, como a algumas pessoas apraz dizer, golpe mortal desferem neles. Não peçais ao Espiritismo prodígios, nem milagres, porquanto ele formalmente declara que os não opera. Do mesmo modo que a Física, a Química, a Astronomia, a Geologia revelaram as leis do mundo material, ele revela outras leis desconhecidas, as que regem as relações do mundo corpóreo com o mundo espiritual, leis que, tanto quanto aquelas outras da Ciência, são leis da Natureza."

A argumentação fundada acerca de qualquer campo do conhecimento é bem-vinda; todavia, o ataque imotivado e carente de embasamento tende a difamar o próprio autor da difamação, como o Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, pontua em "O Livro dos Médiuns"[4]: "Julgar do Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de ignorância e tirar todo valor à opinião emitida."


- Números 11:26-29

"Mas ficaram no arraial dois homens, um se chamava Eldade, e o outro Medade. Repousou sobre eles o espírito; eram do número daqueles que foram alistados, porém não tinham saído para irem à Tenda; e profetizaram no arraial. Correu um moço, e o referiu a Moisés, e disse: Eldade e Medade profetizam no arraial. Então Josué, filho de Num, servidor de Moisés, um dos seus homens escolhidos, respondeu e disse: Moisés, meu senhor, proibe-lho. Moisés respondeu-lhe: Tens tu ciúmes por mim? quem dera que todo o povo de Jeová fossem profetas, que Jeová pusesse o seu espírito sobre eles!"

Comentando o trecho acima, o autor José Herculano Pires[5] afirma: "Como acabamos de ver, Moisés aprovava a mediunidade pura que o Espiritismo aprova e defende. Mas o pior cego é o que não quer ver, principalmente quando fechar os olhos é conveniente e proveitoso."

- Marcos 9:38-40

"Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que não nos segue, expelir demônios em teu nome, e lho proibimos, porque não nos seguia. Mas Jesus respondeu: Não lho proibais; porque não há ninguém que faça milagre em meu nome, e logo depois possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós, é por nós."

Tanto nos trechos bíblicos acima, de Números e Marcos, respectivamente no Velho e no Novo Testamentos, encontram-se episódios de anuência no contato entre os planos denso e sutil da existência humana com propósitos úteis e voltados ao Bem.



- Mateus 17:1-9, Marcos 9:2-8 e Lucas 9:28-36

Nas narrativas dos três evangelistas, Jesus vai a um monte com Pedro, Tiago e João, quando seu rosto se transfigura em luz resplandecente, e são vistos Moisés e Elias, mortos séculos antes, conversando com Ele.

Carlos Torres Pastorino, na sua obra "Sabedoria do Evangelho"[6], comenta: "Como vemos, trata-se de verdadeira e legítima 'sessão espírita', realizada por Jesus em plena natureza, a céu aberto, confirmando que as proibições, formuladas pelo próprio Moisés ali presente, não se referiam a esse tipo de sessões, mas apenas a ‘consultar’ os espíritos dos mortos sobre problemas materiais (cfr. Lev. 19:31 e Deut. 18:11)."

Era e continua sendo condenável seguirem-se ensinos, proferidos por pessoas encarnadas ou desencarnadas, em desacordo com a Lei Divina, a mistificação religiosa ou materialista (vide Deuteronômio 18:20: "Mas o profeta que se houver com presunção, falando em meu nome uma palavra que não lhe ordenei falar, ou que falar em nome de outros deuses, esse profeta morrerá.").


Concluindo, nas palavras de José Herculano Pires[7]: "Se quisermos evitar a morte de Deus na consciência humana, evitemos o literalismo bíblico e a idolatria. Uma imagem mental de Deus é também um ídolo perecível, e quem a cultua não é menos idólatra que os adoradores de imagens materiais. A concepção espírita de Deus está acima dessas controvérsias teológicas. O Deus espírita não é um ídolo, mas aquela realidade que, como dizia Descartes, está na consciência do homem como a marca do artista na sua obra."


Leia também, neste blog, as postagens “Pentecostes, mediunidade e Espiritismo”, “Espiritismo e Internet”, “Falsos Cristos, falsos profetas e seus seguidores” e “Pressentimentos”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências

1. SILVA, Severino Celestino da. "Analisando as Traduções Bíblicas: refletindo a essência da mensagem bíblica". 6ª ed. João Pessoa: Ideia, 2008. Capítulo 5.
2. KARDEC, Allan. "O Evangelho Segundo o Espiritismo". 2ª ed. de bolso. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1999. Capítulo 26, itens 8 e 9.
3. KARDEC, Allan. "O Evangelho Segundo o Espiritismo". 2ª ed. de bolso. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1999. Capítulo 21, item 7.
4. KARDEC, Allan. "O Livro dos Médiuns". 55ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1987. Primeira Parte, capítulo 2, item 14, sexta proposição.
5. PIRES, J. Herculano. "Visão Espírita da Bíblia". Edições Correio Fraterno, 1989. Capítulo 11.
6. PASTORINO, Carlos Torres. "Sabedoria do Evangelho". Rio de Janeiro, RJ: Sabedoria, 1964. "A Transfiguração".
7. PIRES, J. Herculano. "Visão Espírita da Bíblia". Edições Correio Fraterno, 1989. Capítulo 18.

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